sábado, 18 de fevereiro de 2012

1 INTRODUÇÃO


O presente estudo foi realizado a partir da vida e produção poética de Cleo Xavier, que se constitui objeto de pesquisa, com ênfase na temática negra, tendo como base recordações das fases e acontecimentos mais importantes de sua vida, bem como sua constituição enquanto negra e a representação dessa negritude em seus poemas correlacionando com outros.
Da importância de se refletir sobre a poética negra ou afro-brasileira e da necessidade de valorização e reconhecimento de uma escritora local e suas produções literárias surgiu a opção pelo tema, o qual se constitui atual e relevante, visto que suscita discussões acadêmicas, estudos identitários e contribui para a inserção de uma fonte bibliográfica, até então desconhecida pela Academia, possibilitando assim, não só aos estudantes do meio acadêmico, como à todos aqueles que se interessam pela questão da identidade negra na literatura.
Espera-se com o estudo que a discussão sobre etnicidade a partir da literatura local correlacionada com outras escrituras torne-se um instrumento proporcionador de reflexões acerca do processo construtor da representação estereotipada do ser negro, mestiço, afro-brasileiro no imaginário da nossa sociedade e de seu posterior processo de legitimação por meio de uma afirmação identitária do seu próprio discurso.
Inicialmente foram colhidos depoimentos sobre a vida da poetisa Cleo Xavier, escritos pela mesma, para que se pudesse saber quando foi percebido o gosto pela poesia e como se desenvolveu sua carreira, quais suas influências literárias, dificuldades encontradas e identificações próprias nos poemas, além de publicações a seu respeito. Feita a leitura do livro Outonal (2001), optamos pela seleção e análise dos poemas negros que intertextualizam com outras poesias e outras formas de manifestações artísticas, como prosa e música, dos autores: Mário Quintana, Jorge Amado, Aluísio de Azevedo, Edson Gomes, além das biografias dos líderes Marthin Luther King e Nelson Mandela. O trabalho foi embasado nos teóricos: Homi Bhabha, Muniz Sodré, Nilma Lino Gomes, Júlio Chiavenato, Kabengele Munanga, Cid Seixas, Sílvio Romero, Renato Ortiz, Lília Schwarcz, Gilberto Freire e Umberto Eco.
Formam este trabalho quatro capítulos, sendo que o primeiro trata de abordagens e considerações sobre a vida da poetisa Cleo Xavier, memórias de sua humilde infância e juventude, desempenho escolar, o gosto pela leitura e a escassez de livros, sua precoce e diversificada carreira profissional, seu dom de escrita, início da carreira poética, influências literárias e o amor à terra natal.
O segundo capítulo reconta a história de Zumbi a partir do poema “Zumbi dos Palmares, um pouco de sua história”, de Cleo Xavier, em que a autora expressa o sofrimento enfrentado por ele, e por tantos outros negros, por conta de serem considerados inferiores às outras etnias, e demonstra fazendo uma correlação com outros líderes negros, como se deu a influência de Zumbi, que através de sua coragem e resistência, tornou-se referencial de luta contra a discriminação e do movimento da consciência negra.
O capítulo terceiro aborda aspectos contrários e a favor da mestiçagem no Brasil, o que nos instiga a levantar um questionamento, que se torna o próprio título: “Mestiçagem: um processo retroativo ou natural da sociedade?”. Através das teorias de Homi Bhabha, Sílvio Romero, Gilberto Freire, Cid Seixas e posicionamentos do Movimento Negro Unificado, reflete-se sobre as contraposições a respeito da mestiçagem. Ainda nesse capítulo, estabelecemos relações entre a validação mestiça de Jorge Amado e Cleo Xavier.
O último capítulo analisa o poema “Negra Brasil”, de Cleo Xavier, o qual afirma a multi-etnicidade afro-brasileira, ao mesmo tempo que ressalta e valoriza a mulher negra com suas características peculiares, rompendo com o estereótipo da inferioridade da etnia negra estabelecido pelo discurso colonialista. A afirmação da igualdade racial proposta pelo poema é comparada com trechos da Bíblia Sagrada e aos ideais do grupo Ilê Aiyê.
Espera-se, portanto, que as discussões instauradas nesse estudo, proporcionem uma reflexão e um novo posicionamento frente à multi-etnicidade, aos que a ele tiverem acesso, instigando o desejo de aprofundar a pesquisa sobre o assunto, de modo a perceber que o reconhecimento da literatura local e a auto-afirmação da identidade são fundamentais para se estabelecer uma relação igualitária entre as etnias.







2 A POETISA NAS ENTRELINHAS


Cleonilda Xavier do Nascimento nasceu a 19 de Junho de 1966, em Palmeiras , filha caçula do casal Antônia Luzia do Nascimento e Clemente Francisco Xavier. A escolha do seu nome deve-se à madrinha e tia Guilhermina, a qual, no dia do seu batizado, acompanhou a afilhada à igreja sem a presença dos pais, que por motivo de força maior não puderam comparecer à cerimônia, e teve a ousadia de batizar a afilhada como Cleonilda, contrariando a vontade da comadre, que teria dito que sua filha se chamaria Ana Maria ou Mariana. A justificativa dada pela madrinha seria que, como o pai da menina chamava-se Clemente, achou interessante chamá-la de Cleonilda. A partir de então, recebeu vários apelidos: Quéu, Quezinha, Queza, Cleó, e por fim Cleo, e hoje nome artístico, Cleo Xavier.
Filha de pai lavrador e mãe lavadeira de roupa, Cleo, teve uma infância muito humilde, porém rica em brincadeiras e fantasias, marcadas, sobretudo, pela criatividade, com a qual improvisava e substituía objetos e materiais para sua diversão, como no caso da falta de caderno para desenhar, ela aproveitava papéis de embrulho, brincava com bonecas de pano, feitas por sua própria mãe, e já chegou até a brincar com pedras, fantasiadas de bonecas. Conta que seu maior sonho era ter uma “[...] boneca de verdade: que tivesse cabelos e piscasse os olhos”, mas, seus pais não tinham condições de comprar, pois naquela época custava caro. Ficou muitos anos frustrada achando isso um sonho inacessível, até que um dia sua irmã Maria, ao retornar de Feira de Santana, trouxe-lhe uma boneca, usada, mas daquela que tanto sonhava ter. Nesse dia ela se sentiu a pessoa mais feliz do mundo!
As recordações da infância são as mais constantes para Cleo, e as melhores do repertório que guarda na memória do seu coração. Recorda, entre as coisas de criança, que costumava brincar no quintal, ou na beira do rio – sempre em contato com a natureza – e, um fato curioso é que ficava horas observando as formigas na sua lida a carregar folhas para suas casas, e sentia dó, ao vê-las, tão minúsculas, naquele processo repetitivo. No intuito de ajudá-las, pegava a folhinha, juntamente com farinha e açúcar e levava até o seu destino, pensando que estaria poupando-as da carga, mas elas voltavam e continuavam em busca de mais alimentos. Ela não entendia que esse é o trabalho das formigas e, na sua inocência, ficava indignada. Outra coisa interessante, que não lhe sai da lembrança, é como se comovia ao ver uma plantinha quebrada. Ela novamente, na tentativa de ajudar, pegava cola de quiabento ou seiva de velaminho , passava nas partes quebradas, enrolava um paninho unindo-as como se fosse um curativo, protegia-as com garranchos para lhes fazerem sombra, regava-as e falava: “Você vai ficar boa!”. E assim, ia visitar as plantas e conversar com elas todos os dias.
É bastante evidente, através desses relatos, desde a infância, sua sensibilidade e preocupação com a natureza, o que se tornaria posteriormente expresso em poesia pela própria escritora:

Criações e leis

[...] E o seio da mata inflama...
O burro – homem mata a vida
Trocando sombra e ar puro
Por sangue, suor e fumaça
Troca madeira por fome, poluição e desgraça.
Absorve oxigênio e solta veneno mortal
Veneno humano culminado pela ignorância,
Obcecado pela ganância
Em grande estilo canibal...
(XAVIER, 2001, p.13).


Teve início a vida escolar precocemente, aos cinco anos, quando seus irmãos mais velhos já estudavam e, ela ainda não, pois não tinha idade escolar, já que na época só era permitida matrícula em escola pública a partir dos sete anos de idade. Mas, ela desejava muito estudar e chorava com constância para ir à escola com seus irmãos. Até que um dia sua mãe foi conversar com o professor José Soares de Queiroz , que curiosamente, mais tarde, tornou-se prefeito da cidade, pedindo-lhe para permitir a freqüência de Cleo à escola, sem compromisso. Com a permissão do professor, ela passou a freqüentar as aulas diariamente. Com isso, foi se desenvolvendo na aprendizagem e, no final do mesmo ano já estava alfabetizada.
Os textos poéticos sempre a encantaram, sempre lhe deram prazer. Desde pequena, no início da vida escolar, lia o livro de português todo em um só dia. Não havia biblioteca em Palmeiras, visto que essa só seria criada em meados dos anos noventa e, em sua casa, os únicos livros que dispunha eram os didáticos, seus e de seus irmãos. Copiava as poesias em um caderno e as decorava. Achava-as lindas com seus versos e rimas, e pensava: “Quem fez isso deve ser muito inteligente. Será que um dia eu vou conseguir fazer um negócio desse?”. Eram para ela como alimento, os versos a saciavam, e quando estava triste pegava o caderno de poesia lia-o todo e se regozijava.
Descobriu seu dom poético através da escola, a qual costumava propor muitas atividades de produção de textos, tanto dissertativos como poéticos. Ela sempre se destacava e era elogiada pelos professores, o que causava despeito em alguns colegas e fazia com que gritassem: “ê, ê, ê, ê... poetinha...”
Seu encantamento pelos textos poéticos faz lembrar do grande poeta que subtraía da sua própria vida a inspiração para suas poesias, Vinícius de Moraes. E assim como ele, Cleo Xavier também era denominada “poetinha”. O fato de ser chamado pelo diminutivo não depreciava Vinícius de Moraes como poeta, mas denotava a sua íntima relação com seus parceiros de composição, entre eles Tom Jobim, que em uma determinada ocasião perguntou-lhe: “Afinal, poetinha, quantas vezes vai se casar?” (CASTELLO, 1991, p. 13)
O compositor Carlos Lyra percebeu após um telefonema recebido de Vinícius que um dos atributos do poeta era adocicar o mundo reduzindo as palavras a seus diminutivos. Portanto, Carlos Lyra tornou-se o “parceirinho” para o resto de sua vida.
Porém, o intuito dos colegas de Cleo Xavier não era adocicar as palavras que compõem o mundo, e sim utilizar a denominação “poetinha” como depreciação. Ao contrário dos parceiros de Vinícius, os quais acreditavam em seu talento, a poetisa palmeirense sofria o descrédito e a rejeição por parte daqueles que queriam fazer zombaria. Chegavam até a desacreditar que os trabalhos fossem produzidos por ela, dizendo que devia ter copiado de algum livro. E, para desafiá-la, pediam que criasse um poema ali na hora.
Essa postura de seus colegas deixava-a aborrecida e envergonhada ao ser chamada pela professora, para receber seu trabalho, depois de ter feito bons comentários acerca do mesmo. Com o tempo, começou a não se identificar nas produções, pensando que iria passar despercebida pelos professores, pois, não sabe por que tinha vergonha de ser posta em destaque, mas de nada adiantava. Os professores já conheciam seu trabalho. Certa feita, uma professora deixou o trabalho dela para ser entregue por último. E, mesmo sabendo que era de Cleo, perguntou de quem era aquele trabalho não identificado. Ela não respondeu, a professora insistiu, dizendo que estava ótimo o trabalho, e que era uma pena não saber quem havia escrito. E, quebrando o silêncio, um colega respondeu: “É daquela neguinha ali”, apontando para ela. Isso a deixou mais aborrecida ainda, pelo tom depreciativo com que ele falou aquele termo pejorativo.
O vocábulo torpe “neguinha” retrata o aspecto percebido no discurso colonial em que o estereótipo é utilizado como justificativa para ressaltar a soberania étnica em detrimento de outra, ou que uma etnia é superior à outra. Como classifica Homi Bhaba (1998, p. 107), “[...] discurso colonial é uma forma crucial para a ligação de uma série de diferenças e discriminações que embasam as práticas discursivas e políticas da hierarquização racial e cultural”.
E a professora de um salto contestou dizendo que ela era uma negra da “inteligência branca”, e ele era branco da “inteligência negra”, pois o seu trabalho estava péssimo. A intenção da professora foi defendê-la, porém, inconscientemente, acabou reproduzindo o mesmo preconceito racial que o aluno. Mesmo assim, naquele momento, Cleo se sentiu defendida.
A instituição educacional deveria ser um lugar alheio, fora do poder. Mas, diante da função profissional do educador, em que suas atividades resumem-se à pesquisa e ao discurso, seria impossível, sabendo que esse é envolto de poder, descartar a idéia de que a escola não impõe, mesmo de maneira despercebida, sua ideologia. A professora aqui em questão reproduz o que Roland Barthes (1997, p. 10) menciona no texto Aula:

[...] sem dúvida ensinar, falar simplesmente, fora de toda sanção institucional, não constitui uma atividade que seja, por direito, pura de qualquer poder: o poder (a libido dominandi) aí está emboscado em todo e qualquer discurso, mesmo quando este parte de um lugar fora do poder.

Cleo Xavier afirma que já sofreu preconceito racial em muitos lugares, mas tem aceitação própria suficiente, o que reflete em seu poema “Negra Brasil” (XAVIER, 2001, P.20): “Eu sou negra, negra, negra... negra como a noite escura sem luar, mas não tão negra como as garras do racismo”.
Com o passar dos tempos foi tomando gosto pela produção literária e passou a escrever extraclasse, sobre outros temas. No auge da sua adolescência passou a criar poemas românticos, mas escrevia para si, sobre seus amores platônicos e escondia o caderno “debaixo de sete chaves” para ninguém ver, pois temia que seus familiares a censurassem, criticassem e pensassem que estava namorando, já que tinha uma educação muito fechada para esses assuntos. Certa vez descobriu que tinha alguém lendo suas poesias secretas. Ficou muito envergonhada e pensou em destruí-las, mas receou, pois seria uma perda irreparável. Então, trocou de esconderijo e ficou um tempo sem escrever. Foi nesse meio tempo que, ao mudar de casa com a família, o caderno de poesias desapareceu. Lamenta até hoje a perda de seus primeiros trabalhos.
Essas poesias, em sua maioria, tinham como inspiração os poemas de Casemiro de Abreu, os quais despertavam uma enorme admiração na adolescente. Ela escrevia poemas direcionados ao escritor e fantasiava que o mesmo correspondia. Depois a fantasia se repetiu, mas dessa vez, com Castro Alves, chegando ao ponto de sentir ciúme de Eugênia, sua musa inspiradora “[...] Se eu fosse um poema/ De versos fartos profundos/ De Castro Alves, oriundo... / Qual seria meu tema?” (XAVIER, 2001, p.65). Por esse poeta, além do amor platônico e admiração por sua escrita, havia também gratidão por ele ter contribuído com o Movimento Abolicionista e utilizar a questão do negro como uma de suas temáticas. Ela o tinha como um herói, e até desejava ter vivido em sua época, ser uma escrava em um navio negreiro, desde que fosse musa dele. Hoje, ao lembrar-se desses devaneios juvenis, ri e diz: “Que loucura minha, não?”.
Prosseguiu com suas produções literárias, com o apoio de uma professora, a quem lhe é muito grata pelos incentivos, e presta-lhe homenagem póstuma, Nilde Xavier .
Sempre que escrevia um novo poema, sobre temas sociais relevantes, tais como natureza, denúncia social, preconceitos entre outros, ia correndo mostrar à professora em sua casa. Essa, não se recusava em atendê-la, pelo contrário, fazia-lhe muitos elogios e a motivava a prosseguir nesse campo.
Na época, em meados de 1990, acontecia na cidade a Semana Cultural de Palmeiras, da qual participavam pessoas de vários lugares. Foi nesse evento que Cleo, ainda adolescente, apresentou pela primeira vez, também motivada por Nilde Xavier , suas produções à sociedade palmeirense. Apresentação essa, que aconteceu depois de muita exitação, insegurança e temor. A poetisa temia ser criticada pelos conterrâneos ao ser comparada com candidatos já veteranos no campo poético.
A partir de então, passou a participar todos os anos de eventos dessa natureza, inclusive em outras cidades como Seabra , Utinga , etc. A cada ano ia se aperfeiçoando e, certa vez obteve o terceiro lugar num concurso de poesias em Seabra, organizado pelo grupo Cultural Malunga , com direito a obter espaço num livro de Antologia poética; do qual cada participante ganharia um exemplar. Ficou muito orgulhosa ao ver sua poesia publicada pela primeira vez.
Bem como a vida escolar, sua vida laborativa começou cedo. Desde pequena teve que começar a trabalhar para conseguir comprar seus materiais escolares e objetos pessoais. Morou um tempo com sua madrinha “Mariazinha Batista”, período em que tinha que trabalhar ajudando em algumas tarefas domésticas. Nessa referida casa havia um porão cheio de livros para onde Cleo sempre dava um jeito de escapar para ler. Como ela gostava desses momentos, eram os melhores do seu dia. Já que não tinha tempo nem livros em casa para se deleitar, então sempre procurava escapar para ir ler no porão. Quando solicitada por alguém da casa, desculpava, dizendo que estava arrumando o local.
Ainda em sua meninice, foi vendedora de quitutes e acarajés. Saía pelas ruas com uma bandeja oferecendo as guloseimas e recebia uma comissão pelo que vendesse. Confessa que foi uma experiência não muito boa, pois às vezes algum espertinho consumia os salgados e não pagava. Ela, indefesa, não podia fazer nada. Ficava no prejuízo. Também desempenhou várias outras funções, como: vendedora de produtos catalogados, monitora de reforço escolar e babá. Mas declara que dessa última função ela não gostou; só a desempenhando por poucos dias, gostava mesmo era de se sentir mais livre, conquistar certa autonomia.
Seus dons artísticos iniciados na infância, como o de desenhar, que era seu passatempo predileto, e o de costurar, o qual aprendeu na máquina de sua mãe a confeccionar roupinhas de boneca, produziram efeito em sua vida profissional posteriormente. Sonhava em ser estilista, mesmo sem saber que era esse o nome dado ao profissional que desenha ou cria modelos de roupas.
Aos treze anos foi para São Paulo com uma pessoa conhecida da família para trabalhar. Lá, conseguiu emprego como desenhista numa fábrica de cintos e bolsas. Mas, por não se adaptar à cidade, um ano depois retornou a sua terra natal.
É vasta a lista de funções que ela já desempenhou, é como a mesma diz: “os cargos e encargos que tive foram tantos que só não me esqueço por que todos foram muito importantes para minha formação pessoal”. Durante sua vida foi costureira, artesã, vendedora, telefonista, professora, vice-diretora, supervisora de programas federais voltados para a educação de adultos, supervisora cultural de uma editora, auxiliar de biblioteca, agente de arquivo público, auxiliar de mapeamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) e monitora do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil).
De todas essas profissões, a que mais se identifica é a de professora. Por sinal, atualmente é estudante de Pedagogia da UNEB – Irecê. A escritora estima a arte de ensinar e aprender. Gosta também de lidar com público, já participou de grupos de teatro, bem como se comprometeu voluntariamente com projetos sociais de incentivo à arte e cultura.
Mas, por ironia do destino, hoje trabalha em uma área que se difere totalmente da educação. É funcionaria pública da Justiça Estadual, na cidade de Lapão-BA e lamenta estar distante de sua cidade natal.
No poema “Palmeiras” ela fala de sua relação com a cidade:

Palmeiras... quer que eu te conte
Um segredo bem baixinho
De coração, eu te amo!
E aqui, faço o meu ninho
Confesso a ti, um sonho meu
Jamais serei filha ingrata
Nunca te direi adeus.
Tu que me viste nascer
E me ofereceste um berço
Quero os meus dias viver
Amamentada ao teu seio
E umbilicalmente ligada
Quero dormir no teu leito.
(XAVIER, 2001, p. 28).


Apesar de estar fora de sua terra, por questões profissionais, nunca rompeu o laço maternal com a cidade que tanto ama e se orgulha. Segundo Cleo, quando se dista de Palmeiras, sente-se uma órfã, pois ela representa o seu “ninho”, é onde seu barco ancora com segurança.
A caminhada artística da poetisa foi bastante árdua e acometida por várias surpresas. Conta que certa feita, participando de um concurso de poesias na Semana Cultural de Seabra , ao declamar um poema, foi vaiada pelo público.
Isso ocorreu entre 1988 a 1989, época em que a região enfrentava tremenda seca, “O chão do meu Sertão estava feito beijus” . A Praça de Eventos estava toda enfeitada, coberta por palhas secas, repleta de gente, e ela, talvez por ordem de inscrição foi a última a se apresentar. E quando declamava: “[...] Livra-nos Deus desta fome,/ da seca que nos consome/ e que abrasa o sertão” (XAVIER, 2001, p. 57), antes mesmo de terminar de recitar o poema “Apelo”, começou a chover, e o público começou a correr, pois a praça não tinha cobertura. Muitos começaram a vaiar, talvez pela incoerência de estar ouvindo um poema falando de seca em plena chuva. Para ela foi uma experiência vexatória: esqueceu alguns versos, trocou algumas estrofes, enfim foi emocionalmente atingida pelo ocorrido. Mas, mesmo assim, não saiu do palco. Pelo contrário, ajoelhou-se em sinal de gratidão pela surpresa divina: a dádiva da chuva. Também não se entristeceu, pois descobriu que seu poema fez chover.
Cleo Xavier também participou de concursos literários no Rio de Janeiro, pelas editoras Crisális, Jotanesi e Shogum Artes, que eram realizados via postal. Os candidatos enviavam os poemas, estes passavam por uma banca examinadora, e os melhores classificados recebiam como premiação a publicação do seu poema em um livro de Antologia Poética, além de ganhar dez exemplares do mesmo. Assim, ela teve seu trabalho publicado novamente. Quanto mais participava desses concursos, mais era motivada a escrever, mais tinha inspiração.
Do contato com poetas veteranos, grupos culturais e de teatro, como: Raízes, Cio da Terra, Arte em Cena, Malunga, Pedro Madalena , e outros, foi adquirindo experiência. Aprendeu muito com eles, e foi do incentivo e cobranças desses colegas, principalmente do poeta Sindo Guimarães , que surgiu o desejo de publicar seu próprio livro. Muitos desses colegas já haviam publicado suas obras e cobravam de Cleo sua publicação também, pois achavam seu trabalho bonito e suficiente. Até então, não tinha a mínima pretensão em fazê-lo, achava um passo muito distante para ela. Mas, devido a tanto incentivo começou a planejar o seu projeto.
Em 1997 publicou um Catálogo Cultural e Comercial, em Palmeiras, intitulado: Palmeiras, Princesa das Lavras. Lançou também livretos de bolso, cartões e camisetas com poemas impressos.
O lançamento do seu livro Outonal veio acontecer no ano de 2001, na cidade de Palmeiras e posteriormente na cidade de Irecê. Lançamento este, que aconteceu depois de muito sacrifício. A autora não possuía condições financeiras para arcar com as despesas gráficas, por isso apelou para a busca de patrocínios, mas o que conseguiu angariar dessa forma foi insuficiente. Então, conseguiu uma negociação com a gráfica, firmando um contrato de uma tiragem de mil exemplares, que seriam pagos metade no ato do recebimento e a outra metade posteriormente. Assim, Cleo ficou satisfeita, pois estaria começando a concretizar seu projeto, mesmo sabendo que este iria requerer muitos esforços.
Porém, a empresa responsável pela edição dos livros não se comprometeu direito com a qualidade gráfica da obra, e esta acabou saindo com erros de digitação e formatação, sem contar com a grande quantidade de material desperdiçado.
Apesar desses imprevistos, o lançamento do Outonal (2001) aconteceu de maneira excelente. Para a organização do evento, Cleo contou com a colaboração de amigos, que se disponibilizaram para ajudar desde a ornamentação do local até a recepção de convidados. Na noite de autógrafos houve um recital de poesias organizado pela própria poetisa e apresentado pela mesma, juntamente com a participação de jovens e adolescentes da cidade, com os quais ela ensaiou. O evento foi um sucesso, contando com a presença significativa de conterrâneos, os quais também se orgulhavam naquele momento, por prestigiarem uma escritora local. A venda dos exemplares foi excelente, tanto em Palmeiras como em outras cidades por onde Cleo Xavier passou divulgando seu trabalho.
A obra foi muito aceita pelos leitores, foi notícia em vários jornais baianos, e é utilizada em algumas escolas nas aulas de literatura, e hoje se encontra até no exterior, por conta da participação de Cleo em um Simpósio na UEFS, em que os palestrantes representavam movimentos afro, de Universidades de variados países. Ao declamar algumas poesias foi parabenizada e muitas pessoas se interessaram em obter o livro. Mas, naquele momento, ela só dispunha de um exemplar, que foi levado para a França. Hoje, Cleo Xavier compõe a Academia Ireceence de Letras, já possui outro projeto literário pronto, e antecipadamente registrado, mas aguarda o momento propício para lançá-lo.
Mas, além da realização do sonho e da aceitação de seu trabalho, a poetisa alegra-se em saber que pode, através dos seus versos, lançar a semente da arte, para que esta possa ser cultivada e, quem sabe um dia, brotar nos corações dos leitores, de modo a dar frutos como: respeito às diferenças, valorização do negro, igualdade de direitos, entre outros.









3 ZUMBI DOS PALMARES, UM POUCO DA HISTÓRIA DO LÍDER QUILOMBOLA.


Ao analisar o poema, “Zumbi dos Palmares, um pouco de sua história”, percebe-se a relação entre o título da obra com os acontecimentos históricos e sociais sobre o líder negro, Zumbi. A autora, assim descreve o seu poema:


Zumbi, um pouco de sua história

Da ganância de homens desumanos
Na ambição de acumular riquezas
Surgiu a escravidão da raça negra.

No árduo trabalho rotineiro
Nos cruentos maus tratos dos senhores
Nasceu, o desejo da liberdade.

E nessa busca incansável
Nas duras batalhas travadas a fio
Zumbi, floriu!

Esse vulto histórico e valente
De imensa bravura decente
Povoou Palmares, fortaleceu quilombos
Defendeu seu povo e os acolheu

Na luta em busca do seu direito
Tiraram-lhe a cabeça.

O líder negro entre outros tantos
Derrama sua última gota de sangue
No chão brasileiro...

Morreu Zumbi...
Mas não morreu consigo
O desejo de ser livre!

Zumbi, inspirará mais ainda
A luta da raça negra em busca do seu direito
Em cada palmo de chão
Em cada coração
Ficou um pouco de sua história
Que sangra ainda nas veias
Do mestiço brasileiro!


A poetisa Cleo Xavier denota em seu texto o herói negro brasileiro, que indignado com os maus tratos e o regime escravocrata, luta em prol dos menos favorecidos. Através do poema, a autora declama o ideal de liberdade retratando a insatisfação de um povo, que há muito tempo empenhou-se pela igualdade e defesa dos seus direitos.
Esse homem negro enfrentou seus adversários brancos, rompendo com o paradigma do negro coitado e digno de pena. Cleo Xavier poetisa a biografia de Zumbi que influenciou posteriormente, o que hoje se tornou o referencial de luta contra a discriminação, o movimento de consciência negra.

Da ganância de homens desumanos.
Na ambição de acumular riquezas.
Surgiu a escravidão da raça negra.
(XAVIER, p.17)

A depreciação da cultura de um povo e a humilhação sofrida foram elementos que auxiliaram na dominação e escravidão do negro. O menosprezo às características físicas, sociais e intelectuais dos escravos servia como justificativa para o desrespeito à alteridade. Acreditava-se que o negro estava num patamar inferior em relação ao branco, como relata Sodré (1999, p.152) no livro Claros e Escuros: Identidade, povo e mídia no Brasil:

Esses antecedentes eticamente negativistas, a associação entre a pele escura e o ‘Mal’, bloqueiam historicamente a introjeção pela consciência eurocêntrica de uma identidade plenamente ‘humana’ do sujeito negro, a alteridade africana é contada como fonte de debilidades físicas e morais.


Ao longo de uma trajetória criou-se o estereótipo negativo sobre o negro. A própria ciência auxiliou na discriminação e caracterização desse povo. Os estudos dos séculos XVIII e XIX consideravam que os brancos possuíam maior capacidade intelectual. Depois vinham os índios, por último, os negros. Algumas pesquisas afirmavam que os negros se situavam abaixo de macacos. O conceito de depreciação ao negro é o reflexo do discurso colonial que repugna a igualdade. Como relata Homi K. Bhabha (1998, p.111) em seu livro O local da cultura:

O objetivo do discurso colonial é apresentar o colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem racial de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução.


No histórico escravista brasileiro os negros tornaram-se verdadeiras fontes de riqueza para os traficantes. O povo negro era como “máquinas incansáveis” de trabalho, fornecia lucros aos senhores de engenho, conforme nos diz o eu-lírico da poetisa Cleo Xavier (2001, p.17): “Da ganância de homens desumanos/ Na ambição de acumular riquezas”.
Segundo MUNANGA E GOMES (2006, p.28), a nomenclatura escravidão não se originou a partir da deportação de africanos a outros continentes, mas representa uma prática antiga da humanidade. A história nos textos bíblicos e escrituras santas fala da escravidão dos israelitas no Egito antigo, onde trabalhavam nos rebanhos dos faraós. Tem eco de trabalho escravo nas literaturas sobre antigas civilizações egípcia, grega e romana. A própria África conceituava como escravos pessoas que eram submissas à religiosidade ou trabalho, no quais possuíam relação de dependência com o parente mais velho ou líder da tribo.
A História nos relata que desde a captura em países africanos, os escravos sofriam nos navios negreiros, passando por inúmeras torturas: morriam de peste, fome, de chibata, seus órgãos genitais eram arrancados, ficavam aleijados e cegos. Os senhores os comercializavam como peças de valor comercial, simples mercadorias, como explica o fragmento que segue:

Simples mercadoria os negros eram vendidos por metro e por tonelada. Eram as ‘peças das Índias’, ‘peças da África’, as ‘toneladas de negros’ – representando o ‘sopro de vida’, os ‘fôlegos vivos’, etc. a própria forma como se comercializavam os negros africanos era reflexo da sua desumanizarão: não se vendia um negro, dois negros, cinqüenta negros – vendiam-se ‘peças’, uma peça não significava um negro, como uma tonelada não significava mil quilos de negros.
(CHIAVENATO, 1986, p.123-4)


Sobre o trabalho escravo e a humilhação acometida, o poema define:

No árduo trabalho rotineiro
Nos cruentos maus tratos dos senhores
Nasceu, o desejo da liberdade.
(XAVIER, p. 17)

Nessa estrofe há uma relação de dependência, de subserviência entre o senhor e o escravo; colonizador x colonizado. No qual o senhor, colonizador, ou seja, o detentor do poder considerava inviável realizar o trabalho braçal, encargo destinado ao negro. Como comenta Ernest Renan (1989, p.134):

A natureza fez uma raça de operários, é a raça chinesa [...], uma raça de trabalhadores da terra, é o negro [...], uma raça de senhores e de soldados é a raça européia.

Os maus tratos aos escravos denunciam a questão dominadora daqueles que se consideravam mais “fortes” sobre os mais “fracos”. “Nos cruentos maus tratos dos senhores” (XAVIER, 2001, p.17), a dominação é refletida através da mídia, literatura, música e outras manifestações artísticas.
O cantor e compositor baiano Edson Gomes justifica que a “musica é o veículo mais poderoso que o rádio e a tevê. Ela pode levar as pessoas à reflexão”. Músico nascido em Cachoeira de São Felix, no dia 3 de julho de 1955, inspirou-se em Bob Marley e Jimmy Cliff, compositores que delinearam seu estilo musical. Suas composições evidenciam as mazelas do povo negro na sociedade moderna, percorrendo um caminho interessante em sua evolução. E assim, como o poema de Cleo Xavier, aqui analisado, a música também transmite sentimentos, mensagens ideológicas, informações e remete ao passado histórico brasileiro. A composição “História do Brasil” (2000), de Edson Gomes relata em um dos trechos a violência sofrida pelos escravos e como esta reflete nos problemas da sociedade atual:

[...]
Forçado a trabalhar neste imenso país
E era o chicote no ar
E era o chicote a estalar
E era o chicote a cortar
Era o chicote a sangrar
Um, dois, três até hoje dói.
Um, dois, três bateu mais uma vez
Por isso é que a gente não tem vez
Por isso é que a gente sempre está
Do lado de fora
Por isso é que a gente sempre está
Lá na cozinha
Por isso é que a gente sempre está
fazendo
O papel menor
Ou o papel pior.”


A sociedade, através da sua herança cultural, consolida por meio dos seus atos discriminatórios o discurso colonial. E a relação de dependência entre dominante e dominado ainda permanece, como menciona Kabengele Munanga (1988, p.13) em seu livro Negritude - Usos e Sentidos:

Para isso, duas afirmações tornaram-se axiomas indiscutíveis: uma relativa à superioridade dos brancos dogmaticamente confirmada, outra à inferioridade congênita dos negros.

Quando o músico Edson Gomes denuncia através da sua composição os maus tratos aos negros: “[...] Era o chicote no ar/ E era o chicote a estalar/ E era o chicote a sangrar”, descreve melodicamente a intenção de Cleo Xavier em expressar a subjugação do negro, conforme diz o poema: “No árduo trabalho rotineiro/ Nos cruentos maus tratos dos senhores”
O discurso colonial determina o lugar, ou seja, delimita restringindo como e o que deve fazer o colonizado. É um processo de impor a soberania daqueles que se julgam superiores, como denuncia a música de Edson Gomes, mencionada anteriormente:

Por isso é que a gente não tem vez
Por isso é que a gente sempre está
Do lado de fora
Por isso é que a gente sempre está
Lá na cozinha
Por isso é que a gente sempre está fazendo
O papel menor
Ou o papel pior.


A representação destituitiva atribuída ao negro torna-se “aceitável” pelo mesmo, permitindo que o processo depreciatório se fortaleça, como se pode comprovar com a citação de Kabengele Munanga (1998, p.26):

Podemos comparar essa situação com a ideologia da classe dirigente, que é adotada freqüentemente pelos dominados. Ao concordarem com ela, os submissos confirmam o papel que lhes foi atribuído.


Ao mencionar sobre o “desejo da liberdade”, especificamente na quinta estrofe do poema, a autora Cleo Xavier, demonstra que a partir das humilhações sofridas, o povo negro sentiu a necessidade de romper com o cruel cotidiano.
Apesar de toda “submissão forçada” é importante romper com a crença de que o africano escravizado sofreu os maus tratos de maneira passiva. Há um desconhecimento por boa parte da sociedade brasileira de lutas e revoltas que marcaram o período escravocrata, bem como os movimentos de igualdade pós-abolição.
Ao analisar o desejo de liberdade, o negro brasileiro, por sua vez, utilizou diversas formas para resistir à submissão escravista, em que se pode destacar: revoltas, fugas, abandonos das fazendas, assassinatos de senhores e de suas famílias, abortos, quilombos e organizações religiosas, todas utilizadas como estratégias para alcançar o desejo de ser livre.
A liberdade que condiciona o indivíduo a agir conforme sua própria determinação foi relegada aos escravos, porém foi essa a causa e motivação que levou os líderes negros a atuarem nos movimentos de luta. Até hoje, esse tema é referenciado pelos poetas, inclusive os baianos. O grupo Ilê Aiyê descreve através de diferentes expressões artísticas parte da cultura afro-brasileira e as conquistas que esse povo alcançou no decorrer dos tempos.
A poesia, “O canto Ilê”, dos autores Miguel Lucena e Rui Poeta diz assim: “Meu canto, o renascer da liberdade”, tece uma relação com a liberdade expressa no poema de Cleo Xavier (2001, p.17), quando a autora se refere: “Nasceu o desejo de liberdade”
A poetisa Cleo Xavier no seu poema “Zumbi, um pouco de sua história”, reconta a trajetória do líder quilombola a partir de sua percepção, utilizando seu eu-lírico para poetizar os fatos históricos:

E nessa busca incansável
Nas duras batalhas travadas a fio
Zumbi, floriu!
(XAVIER, 2001, p. 17)

No primeiro verso, “E nessa busca incansável”, há relação com a resistência negra do período escravocrata, com a luta pelos direitos de igualdade que acontecem na atualidade.
“A busca incansável / Nas duras batalhas a fio” representa os índices das estatísticas que mostram a desigualdade construída ao longo do processo histórico, político e social, que afeta diretamente as populações brancas e negras.
O resultado das “duras batalhas” são as conquistas adquiridas através das políticas afirmativas que têm como perspectiva a relação entre passado, presente e futuro, pois visam corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado. Essa “busca incansável” tem por objetivo concretizar o ideal de igualdade para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
É a partir desta estrofe que a poetisa Cleo Xavier norteia a saga de um dos ícones mais importantes de luta contra a discriminação do ser negro, Zumbi dos Palmares.

Esse vulto histórico e valente
De imensa bravura decente
Povoou Palmares, fortaleceu quilombos
Defendeu seu povo e os acolheu.
(XAVIER, 2001 p. 17)


A história de vida de Zumbi iniciou-se por volta de 1656, ano de seu nascimento. Sobrevivente a um massacre em Palmares foi capturado por Brás da Rocha, que o entregou aos cuidados do padre português Antônio Melo. Recebeu o nome de Francisco, aprendeu o português, religião e latim. Como se sentia emancipado ao completar 15 anos, refugiou-se em Palmares.
O Quilombo de Palmares era um conjunto de povoados, com uma extensão de mais de seis mil quilômetros quadrados. Por ser um homem instruído e hábil ganhou a confiança e foi nomeado comandante das armas pelo Rei Supremo de Palmares, seu tio Ganga Zumba.
No ano de 1680, Zumbi assumiu o comando do Quilombo dos Palmares, e os negros apoiaram o seu novo líder como menciona Cleo Xavier (2001, p. 17): “Esse vulto histórico e valente/ De imensa bravura decente”.
A bravura e a obstinação são as principais características associadas à Zumbi. Era considerado um vulto por sua habilidade em se esconder em meio à vegetação, poucos viram o líder negro, que lutava com destreza e vigor pelo seu ideal de libertação: “Povoou Palmares, fortaleceu quilombos/ Defendeu seu povo e os acolheu” (XAVIER, 2001, p.17).
Através dos êxitos alcançados pelos guerreiros do Quilombo dos Palmares, outros quilombos animaram-se com a possibilidade de libertação dos cativeiros. Nesses quilombos haviam negros em sua grande maioria, mas também índios, brancos e até mesmo soldados portugueses, todos acolhidos e unidos na luta pela liberdade defendendo-se contra o regime escravagista: “Na luta em busca do seu direito/ Tiraram-lhe a cabeça” (XAVIER, p. 17).
Outro fator importante da história está na crueldade como foi morto o líder negro, Zumbi. Conta-nos Joel Rufino dos Santos que:

[...] o seu cadáver tinha vários furos de balas e inúmeras marcas de punhal. Tiraram-lhe um olho e a mão direita. Estava castrado, e seu pênis colocado em sua boca. Depois de lavrado o autoconhecimento, foi proposto a decepação de sua cabeça sendo exposta no coração de Recife, para mostrar a vingança dos brancos e para dizer aos negros que Zumbi, o grande guerreiro, não era imortal.


O relato de Joel Rufino dos Santos retrata a forma de impor a soberania branca. Vários escritos denotam o sofrimento e a forma desumana como foi tratado o corpo de Zumbi. Essa questão estabelece uma intertextualidade com o poema “Zumbi, o líder negro”, do aluno e poeta Cléber P. dos Santos, o qual compõe o terceiro volume da coleção Caderno de Educação Zumbi – 300 anos, realizado pelo Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê, no ano de 1996, que assim diz:


Mas o Quilombo dos Palmares foi destruído
Dizem: Zumbi foi ferido a faca,
Sua cabeça decepada, posta em praça
Para alegria dos senhores
E para os negros, uma desgraça.


O herói nacional, patriarca de Palmares, por muitos considerados “tróia negra”, como é referenciado pela Enciclopédia Base (1997, p.3389), destacou-se pela batalha entre a escravidão e a liberdade. Zumbi dos Palmares foi comparado a grandes líderes, que de alguma forma contribuíram para a história da humanidade, igualando-se a “Alexandre o Grande” e “Napoleão” pela sua persistência e coragem. Destaca-se atualmente com orgulho e notável admiração dos brasileiros o mártir Zumbi dos Palmares.
Sua biografia rompe com o paradigma tradicional de que o homem negro só é reconhecido como herói quando a sua causa de luta é em prol dos portugueses.
No primeiro verso, “O líder negro entre outros tantos” (XAVIER, 2001, p. 17), a poetisa frisa Zumbi como precursor dos ideais de liberdade. E assim com ele, vários outros homens negros se organizaram e lideraram movimentos a favor do seu ideal. Podemos inserir como apoio para análise e reflexão do poema de Cleo Xavier, as biografias de Martin Luther King e Nelson Mandela como líderes históricos e contemporâneos, que apesar da diferença cronológica e territorial, lutaram em prol de uma sociedade mais justa.
Martin Luther King tornou-se um dos mais importantes líderes do ativismo pelos direitos civis. Nascido em 15 de janeiro de 1929, em Atlanta – Geórgia, ficou conhecido nos EUA e no mundo, através de uma campanha de não-violência e de amor ao próximo. Ele organizou e liderou marchas com objetivo de conseguir o direito ao voto, o término da segregação, o fim das discriminações no trabalho e outros direitos civis básicos. A maior parte destes direitos foi, mais tarde, agregada à lei estado-unidense com a aprovação das Leis de Direitos Civis (1964) e de Direitos Eleitorais (1965). Tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Prêmio Nobel da Paz em 1964. Morreu no dia 4 de abril do mesmo ano. Seu discurso mais famoso e lembrado é: “Eu tenho um sonho”. A partir de 1986 foi estabelecido feriado nacional nos EUA para homenagear Martin Luther King.
Nelson Rolihlahla Mandela nascido no Quênia, 18 de julho de 1918, advogado, ex-líder rebelde e ex-presidente da África do Sul no ano de 1994 a 1999, principal representante do movimento do antiapartheid, como ativista e guerrilheiro. Considerado pela maioria das pessoas um guerreiro em luta pela liberdade, representava ao governo sul-africano um terrorista.
Mandela foi um dos maiores líderes políticos da historia moderna. Em 1990 foi-lhe atribuído Prêmio Lênin da Paz, recebido no ano de 2002. Após o fim do mandato do presidente, em 1999, Mandela voltou-se para a causa de diversas organizações sociais e direitos humanos. Percebe-se a partir da análise biográfica desses dois líderes, a semelhança com Zumbi, todos em luta por uma sociedade justa para os negros.
Para o compositor Edson Gomes, Zumbi dos Palmares foi um grande líder que apesar de sua morte, não foi apagado o desejo de liberdade. Esse desejo está impregnado nos movimentos, na busca dos direitos humanos. Comparando a percepção histórica da liderança de Zumbi, podemos relacioná-lo também com o líder fictício que abrilhantou a história com seu ideal de igualdade, Antônio Balduíno, o qual protagonizou a obra Jubiabá, do célebre autor Jorge Amado.
Portanto, vamos correlacionar os líderes implícitos no poema de Cleo Xavier, que diz: “O líder negro entre outros tantos”, com trechos da música “Zumbi dos Palmares” (2000), de Edson Gomes e o perfil do personagem Antônio Balduíno. Eis o trecho da música:

Zumbi rei dos Palmares
grito de dor, liberdade.
Zumbi rei dos Palmares
um lutador, líder de valor.

Há uma nítida relação entre a liderança e os propósitos sociais observados na música com a história de Antônio Balduíno. Esse último destaca-se por seu caráter idealista em que chefiava os moleques do Morro do Capa-Negro, como relata o romance: “Apesar dos seus oito anos, Antônio Balduíno já chefiava as quadrilhas de molecotes que vagabundavam pelo Morro do Capa-Negro e morros adjacentes”.(AMADO, 1997, p.13).
Retomando como análise a música “Zumbi dos Palmares” (2000), percebe-se novamente o intuito de afirmar Zumbi como líder negro que rompe as correntes da coação. Fato este que induziu o seu povo à luta pelos seus direitos:

Você um grande lutador
A nossa luta não acabou
(Ela não acabou)
És aqui a retomada
Vamos então encher a praça
Gritar de novo, gritar com raça deliberada.


Assim como Zumbi, o personagem Antônio Balduíno procurava estabelecer o reconhecimento e valorização dos menos favorecidos. Quando a autora Cleo Xavier enfatiza “O líder negro entre outros tantos” subtende-se que para toda questão social é necessário um articulador que represente a vontade do povo. O personagem Antônio Balduíno se encaixa perfeitamente no momento em que este reflete o idealismo e a conscientização política.
Apesar de a autora descrever o histórico brasileiro através da biografia de Zumbi dos Palmares, faz-se oportuno ressaltar que esse era um líder político, e como tal, conduzia negociações e estratégias para governar seus seguidores.
O trecho da música de Edson Gomes: “Você é um grande lutador/ a nossa luta não acabou” demonstra as características de ambos os personagens: Zumbi dos Palmares e Antônio Balduíno. Esse último, por sua vez, denota o seu papel na sua sociedade como decisivo, apoiando as greves em prol de uma vida igualitária para os trabalhadores e operários. Em meio às assembléias, narrava a vida dos camponeses nas plantações de fumo, descrevendo o trabalho das mulheres nas fábricas de charutos. A sua luta verdadeira era a greve, pois para ele, através dela, o “escravo” poderia se libertar. Como um líder, Balduíno percebera que o movimento grevista não finalizaria, mas era necessário a continuidade. No romance, o próprio personagem menciona: “Vocês precisam ver a greve, ir para a greve. Negro faz greve, não é mais escravo” (AMADO, 1997, p.255). Essa fala denota “[...] o desejo de ser livre” também expresso no poema de Cleo Xavier.
E para complementar a análise, como diz Cleo Xavier em seu poema: “Zumbi, um pouco de sua história”, destaca-se a última estrofe:

Zumbi inspirará mais ainda
A luta da raça negra em busca do seu direito
Em cada palmo de chão
Em cada coração
Ficou um pouco de sua história
Que sangra ainda nas veias
Do mestiço brasileiro.
(XAVIER, 2001p. 17 - 18)

Nesse trecho em destaque, a poetisa relata a influência que a trajetória de Zumbi trouxe para a sociedade proporcionando a conscientização dos negros como participantes ativos da construção da nação brasileira: “Zumbi inspirará mais ainda/A luta da raça negra em busca do seu direito” (XAVIER, 2001 p.18)
O líder quilombola tornou-se um símbolo vivo para as gerações futuras como exemplo de luta e amor à liberdade. Por esse motivo, o dia de sua morte, 20 de novembro de 1965, foi instituído como o Dia Nacional da Consciência Negra. Em algumas cidades essa data é considerada feriado em homenagem à resistência negra a partir de 2003. O presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou em 09 de janeiro desse mesmo ano a lei nº 10639, que torna obrigatório o ensino da História da África e da cultura afro-brasileira nos currículos escolares.
Para refletir sobre o último verso desse poema, “Do mestiço brasileiro”, tomaremos como apoio para análise o texto de Renato Ortiz (2003) Da raça a cultura: a mestiçagem e o nacional.
Segundo o autor mencionado, a partir do século XIX alguns autores como Silvio Romero, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues, expressaram uma determinada realidade social e histórica do mestiço, buscando definir uma identidade nacional. O Romantismo tentou construir um ser nacional, O Guarani (1986), por exemplo, ao dedicar-se à fusão do índio, idealizado com o branco, produz o processo de exclusão ao negro. O próprio Silvio Romero, considerado um autor pouco progressista, denunciou a ausência do negro no plano literário, motivando futuras conseqüências desastrosas para as Ciências Sociais.
A partir do movimento abolicionista e das transformações sociais, o negro tornou-se preocupação nacional. Pode-se afirmar pela primeira vez que o Brasil é o resultado das três raças: a branca, a negra e a índígena. Mas, apesar dessa afirmação, a mudança da economia escravista para a capitalista e, com incentivo da imigração européia, houve o processo que se denominou mito da mestiçagem. Romero refere-se a “mito” por determinação antropológica, ou seja, imutável, o mito das três etnias não foi concretizado, tampouco vivenciado, representando somente o simbólico.
A exemplo do romance O Cortiço (1880), de Aluísio de Azevedo, o personagem Jerônimo imigrante português, ao se abrasileirar não consegue vencer a barreira de classe, se tornando dengoso, preguiçoso e sem espírito de luta, permanecendo-se mulato em meio à mestiçagem do cortiço. Esse paradigma afirma o estereótipo de que só através da raça branca determina-se a eficiência do espírito capitalista.
A qualificação do mestiço brasileiro relacionada à preguiça e a indolência foi substituída por uma necessidade de transformação conceitual sobre o homem brasileiro, propondo uma ideologia de trabalho.
Para o autor Renato Ortiz (2003, p.35):

O mito das três raças, ao se difundir na sociedade, permite aos indivíduos, das diferentes classes sociais e dos diversos grupos de cor, interpretar, dentro do proposto, as relações raciais que eles próprios vivenciam.


É nesse relato de Ortiz, que os últimos versos do poema de Cleo Xavier podem ser relacionados:

Ficou um pouco de sua história
Que sangra ainda nas veias
Do mestiço brasileiro

No momento em que a sociedade absorve as manifestações de cor, integrando-as no discurso de unidade nacional, a definição do que é negro no Brasil sofre as perdas específicas. Quando se constitui uma identidade mestiça, a análise sobre os limites de cor torna-se difícil.
Os movimentos negros encontram problemas no que se refere à maneira como retomar a questão do negro, deparam-se com ambigüidades culturais próprias da identidade brasileira.
Como procedimento para o auxílio da compreensão sobre a mestiçagem, analisaremos no capítulo seguinte, a partir de Cleo Xavier, conceitos de estudiosos que evidenciam a mestiçagem ou a consideram como degeneração da humanidade.























4 MESTIÇAGEM: PROCESSO RETROATIVO OU NATURAL DA SOCIEDADE?


Ao tomar como base o processo histórico, percebemos que o conceito sobre a mestiçagem tomou rumos diversos, enquanto alguns grupos se firmavam como autênticos, outros não conseguiam se definir.
Percorrendo a história brasileira, nos finais do século XIX, constata-se que o Brasil foi apontado como um país genuinamente mestiço, como relatou Aimard (1888): um “festival de cores”, e para alguns intelectuais nacionais o país era composto por uma “sociedade de raças cruzadas”, como designou Silvo Romero (1895).
O primeiro congresso Internacional das Raças foi realizado em 1911, no qual foi apresentada uma tese, pelo então diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, João Batista Lacerda, que assim dizia: “O Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solução” (SCHWARCZ, 1993, p.11).
A partir dessa declaração percebe-se que a tese de Lacerda reflete o pensamento da época, que segundo o qual, o Brasil só teria seu valor reconhecido com o embranquecimento da pele, descartando-se a importância do mestiço brasileiro.
Opondo a descrição da poetisa Cleo Xavier, em que afirma: “Ficou um pouco de sua história nas veias do mestiço brasileiro”, percebe-se que há na teoria de Lacerda a tradição histórica de negação ao mestiço.
Existem além da tese referida, outros estudos que procuravam confirmar o mestiço como degeneração da raça humana. A exemplo, o pesquisador suíço Louis Agassiz (1868), ao desembarcar nos EUA, depois da viagem feita ao Brasil, descreva o país da seguinte maneira.


[...] que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal-entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao Brasil. Não poderá negar a deteriorização decorrente da amálgama das raças mais geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental.
(SCHWARCZ, 1993, p.13)


O pensamento social da época, em especial o darwinista, considerava a mestiçagem um atraso ao progresso da civilização. Alguns teóricos como Paul Broca (1864) acreditavam na imutabilidade das raças e infertilidade dos mestiços, comparando-os à mula. Enquanto Broca defendia essa idéia, outros estudiosos reconheciam a fertilidade dos mesmos, motivo pelo qual, os tornavam herdeiros da negatividade encontrada nas raças mestiças.
Várias décadas se passaram em que homens considerados “doutores da ciência” de alguma forma procuravam explicações para suas teses. Teorias essas que definiam o mestiço como resultante do cruzamento de uma “raça inferior” (negra) com uma “superior” (branca). Fixando a hierarquia e invalidando o reconhecimento da alteridade; que por sua vez, criou-se estereótipos depreciativos como menciona Homi, K Bhabha (1998, p.117):


O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa, fixa, de representação que, ao negar o jogo da diferença (que a negação do Outro permite), constitui um problema para a representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais.


É a partir do século XIX que alguns autores procuravam definir a nacionalidade brasileira e os problemas nacionais através do critério etnográfico. Convincentes ou não, os estudiosos Nina Rodrigues, Euclides da Cunha e Silvio Romero influenciaram os autores da década de 30, momento em que a sociedade brasileira estabeleceu um modelo descritivo do seu povo, cultural e socialmente.
O autor Silvio Romero, por exemplo, acreditava que a mestiçagem seria a possível saída para uma nação homogênea. Através da crença que o país não possuía um grupo étnico definido, elegeu-se o mestiço como resultado de uma raça que se formava.
É importante ressaltar que Silvio Romero, ao mencionar sobre a mestiçagem, não tece uma relação igualitária entre os homens. Segundo relata Lília Moritiz Schwartz, Sílvio Romero acreditava que:

[...] a uma desigualdade original, brotada no laboratório na natureza, aonde a distinção e a diferença entre as raças aparecem como fatos primordiais frente ao apelo da avançada etnografia.
(SCHWARCZ, 2005, p.154)


No início do século XX o Brasil sofreu intensas transformações. Com as mudanças que ocorriam nos anos 30, surgiu a necessidade de assegurar o desenvolvimento social. Portanto, as teorias raciológicas tornaram-se ultrapassadas em relação à realidade brasileira.
Para atender essa “necessidade social”, Gilberto Freyre reinterpreta a problemática apresentada anteriormente pelos estudiosos do final do século XIX. Esse autor surpreendeu a sociedade, no momento que centralizou na preocupação de compreender o brasileiro, a partir da miscigenação. Como expressa Renato Ortiz:


Gilberto Freyre transforma a negatividade em positividade, o que permite completar definitivamente, os contornos de uma identidade que há muito vinha sendo desenhada.
(ORTIZ, 2003 p. 14).



O resgate da valorização do negro é o processo de reconhecer a influência que esse proporcionou na formação da cultura brasileira. As características que lhe são peculiares, como a dança, a religião e a cultura, causam estranhamento naqueles que são avessos à “diferença”. Essa estranheza é mencionada por Homi K Bhabha: “[...] o desejo de uma originalidade é de novo ameaçada pelas diferenças de raça, cor e cultura”. (BHABHA,1998, p. 117).
Apesar de longos anos de desrespeito à alteridade, percebe-se a ruptura no inveterado discurso colonial nos escritos de Jorge Amado, que surgem reestruturando a cultura brasileira através da validação mestiça.
A obra amadiana reconstrói o conceito literário, desconectando-se das formas canônicas e doutrinas ideológicas. O autor preocupou-se em afirmar a nacionalidade brasileira. Os costumes, a cultura, a peculiaridade do negro, em especial, o baiano, é descolonizado a todo momento pelo autor, que faz questão de mencionar as qualidades desse povo.
Retornando a análise, para não perder de vista o estudo do poema, “Zumbi, um pouco de sua história”, a relação percebida entre Cleo Xavier e Jorge Amado, inicia-se desde a naturalidade, ambos são baianos, permeando pelo processo de significação do negro e mestiço como seres nacionais.
Ao mencionar sobre o mestiço: “Ficou um pouco de sua história / Que sangra ainda nas veias/ Do mestiço brasileiro!” (XAVIER, 2001, p 18), a poetisa reafirma a positividade “do mestiço brasileiro”, interagindo com a proposta de Jorge Amado. A releitura “positiva do mestiço” auxilia a compreender a trajetória da formação brasileira, e até que ponto a mesma se vê como “peça” constituinte do Brasil.
A exemplo, Cid Seixas (2006) no seu texto: “Jorge Amado e o conto épico da mestiçagem”, relata que a aceitação do mestiço brasileiro, é o diferencial que oportuniza o respeito à alteridade. Como o próprio expressa:

Para começo de conversa, crioulo que se preza é crioulo mesmo. E mestiço é mestiço [...] Eu sou é mestiço, moreno, brasileiro. Quase branco, quase preto, como já dizia o poeta da mestiçagem [...] Fiquem lá, portanto com o hibridismo de vocês, que eu fico por aqui pelo terceiro mundo, com tudo que ele tem de bom e que um dia vai contar a história, a partir deste lugar. Do jeito que o velho Jorge Amado começou a contar.
(SEIXAS, 2006, p.39)

Diante da demonstração de Cid Seixas, as histórias de Jorge Amado e a poesia de Cleo Xavier, o mestiço sem dúvida tem o seu valor. Reconhecê-lo como parte integrante desta nação, é aceitar que o Brasil é singular como população e múltiplo na sua constituição.
Portanto, ao aceitar o processo de miscigenação rompe-se com o discurso colonial, que se utiliza da discriminação e racismo como método de impor a sua ideologia. A desfiguração do preconceito tornou-se a bandeira de luta dos movimentos de igualdade aos negros. Movimentos esses que servem como pontos de referência para estudo da cultura negra.
Retornando ao que diz Xavier (2001, p.18): “Ficou um pouco de sua história/ que sangra ainda nas veias do mestiço brasileiro”, surge daí uma indagação, qual é a justificativa do movimento negro para integrar os mulatos, pardos e pretos como participantes da população negra? E o respeito à alteridade?
O objetivo deste capítulo não é condenar nem absolver práticas discursivas, mas estabelecer relações favoráveis ou não no processo de miscigenação.
Com base na dificuldade encontrada pelos movimentos negros de delimitar o espaço deles numa sociedade culturalmente ambígua, percebe-se a tentativa de convencer a população brasileira de que o país depois do aniquilamento indígena, a sociedade é composta por somente dois grupos étnicos, os negros e brancos.
Para o MNU (Movimento Negro Unificado), definir “o negro” como única representação brasileira é extinguir o “ranço depreciativo” que até hoje circunda a sociedade.
É importante refletir sobre esse “discurso de exaltação”, pois na tentativa de descolonizar o discurso colonial, o MNU faz o inverso, confirma o que se tanto repudiava a ideologia de um país formado por negros e brancos, segrega aqueles que não pertencem a nenhum desses grupos. O fragmento retirado do livro Claros e escuros: Identidade, povo e mídia no Brasil, de Muniz Sodré, cita o seguinte pensamento: “Deus fez o café, fez o leite / Não fez o café com leite” (autor desconhecido).




5 NEGRA BRASIL


A interpretação, ou análise textual, seja poética ou não, deve considerar a biografia do autor, que na maioria das vezes transmite em seus escritos sua própria vivência.
A poesia “Negra Brasil” da autoria de Cleo Xavier pode ser considerada uma auto-biografia ou retrato de si mesma, em que declama através de versos e rimas sua identidade de mulher, negra e escritora.

Negra Brasil

Venho do sopro divino!
Venho do pó...
Do cio da terra
É... Eu venho de longe...!
Venho das terras longínquas dos meus ancestrais...
Venho das tribos...
Venho do sangue europeu
Eu venho das senzalas!

Venho das matas virgens, verdejantes!...
Do encanto azulado do Atlântico,
E da imensidão do céu!
E no entanto, sou negra!
Sou filha do sol e da lua,
Irmã das estrelas...
E no entanto, eu, sou negra!

Sim... Eu venho das misturas das raças
Mas não sou mestiça!
Não sou cabocla...
Nem tão pouco sarará
Não sou moreninha...
Nem mulata...
Eu sou negra mesmo!
Negra... Negra... Negra!
Negra, como a noite escura sem luar
Mas não tão negra- como as garras de racismo!
(XAVIER, 2001, p.20)


Comparando-se assim, com o “Auto-retrato”, de Mário Quintana, em que o autor relata suas privações, anseios e também a sua liberdade de expressão.


Auto-Retrato

No retrato que me faço
__ traço a traço__
Às vezes me pinto nuvem,
Às vezes me pinto árvore...

Às vezes me pinto coisas
De que nem há mais lembrança...
Ou coisas que não existem.
Mas que um dia existirão...

E, desta lida, em que busco
__pouco a pouco__
Minha eterna semelhança,

No final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
(QUINTANA, 1988 p.17)


A característica de sua obra reflete a particularidade das autoras que desde a década de noventa até os dias atuais protagonizam suas próprias histórias e redescobrem o seu auto-conhecimento.
A poesia é uma arte, e como arte é momentaneamente composta de um desvario e uma vontade lúdica. A criação do texto depende do momento histórico em que foi escrito e da inspiração poética vivida pela autora. Neste caso, a obra representa a ascensão da mulher negra como escritora. Assim, a postura crítica e analítica da poetisa trilha um caminho de reconhecimento literário.
A mensagem poética, característica da poesia, possibilita um leque de interpretações, uma plurissignificância, que depende do momento e visão do leitor. E quando esta mensagem torna-se auto-reflexiva permite que as experiências de cada indivíduo conceituem a obra segundo a sua significância construída. Portanto, como relata Umberto Eco (1971), no texto, “Estrutura Ausente”:

Um efeito da ambigüidade da mensagem, esses acontecimentos são previstos pelo contexto e a mensagem é auto-reflexiva na medida em que posso contemplá-la como forma que possibilita as várias experiências individuais.


A poesia “Negra Brasil” contrapõe com as poesias do século anterior que valorizavam as belezas naturais e, do modo implícito, a subserviência feminina. Esta valoriza a mulher negra com suas características peculiares, rompendo com os ideais estereotipados em que a mulher quase não aparecia.
“Negra Brasil” incita a igualdade étnica. Afinal, o negro também é o elemento constituinte da nação brasileira, desmistificando o que relata Fanon (apud Bhabha), em sua indignação: “O negro onde quer que vá, permanece um negro”, pois, ainda há uma persistência ideológica colonial que afirma o elemento negro preso ao conceito negativo, ao estereótipo fetichista que nega a diferença e estimula o desrespeito a alteridade humana. O primeiro trecho da poesia quebra esse pensamento colonial, quando descreve: “Venho do sopro divino! /Venho do pó...” demonstrando a necessidade de desconstrução do estereótipo do negro e incluindo-o como parte integrante da criação divina. Na passagem bíblica esse trecho significa o surgimento humano através dos elementos utilizados pelo criador, Deus. Já que as escrituras sagradas afirmam que todo o ser humano veio do sopro divino e do pó da terra, o negro não se difere na sua constituição das outras etnias. Assim, diz a Bíblia Sagrada (Gênesis 2:7): “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego da vida, e o homem foi feito alma vivente”.
Pode-se perceber que ao mencionar “Do cio da terra...” a autora examina o argumento bíblico “frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra!”. O ser humano, a própria criação divina, representa o “Cio da Terra”, a fertilidade que multiplica a vida humana, segundo a imagem divina. O negro, também, nasceu dessa fertilidade, da multiplicação humana. A raça humana em sua singularidade é possuidora de uma diversidade étnica, e todos, independentes da cor, idade, sexo e condição financeira, são considerados à imagem e semelhança de Deus.
Esse conceito é avesso ao discurso colonial que impõe sua ideologia à sociedade, como Homi Bhaba (1998), no texto “A outra questão”,

[...] o discurso colonial é uma forma de discurso crucial para uma ligação de uma série de diferenças e discriminações que embasam as práticas discursivas e políticas da hierarquização racial e cultural.


Em suma, essas são as estratégias de poder para justificar que uma etnia é melhor do que a outra.
A origem do negro brasileiro também é retratada na poesia em estudo quando é mencionada: “É... Eu venho de longe! Venho das terras longínquas dos meus ancestrais... /Venho das tribos...”. A autora descreve o berço histórico e social dos negros, relembrando a maneira cruel como chegaram ao Brasil na condição de escravos através do tráfico negreiro. Negro esse, proveniente da África, “... terras longínquas”, trazido para esse país em meados do século XVI-XVIII, em que muitos homens, mulheres e crianças viviam na condição de mão-de-obra. Os negros moravam em tribos, “venho das tribos”, bem distante do que seria sua nova pátria, o Brasil.
A chegada do negro não se limita apenas ao processo escravagista, pois sua influência auxiliou na construção identitária brasileira, desde a lingüística, a cultura, até a genética. No histórico brasileiro têm-se relatos verídicos das misturas étnicas entre os brancos (europeus, principalmente portugueses) e os negros. Essa miscigenação constituiu o povo que hoje denominamos de afro-brasileiro, formado pela fusão sanguínea européia e africana, como diz o ditado popular: “Todos nós temos um pé na senzala”. A miscigenação está retratada na poesia “Negra Brasil” a partir da seguinte reflexão: “Venho do sangue europeu.../ Eu venho das senzalas”, em que se reconhece um pertencimento, que não se continue por ser homogêneo, mas sim rico em sua heterogeneidade.
A auto-afirmação da negritude mostra que a autora valoriza a mulher negra, desde a sua constituição como ser humano, a sua origem ancestral como africana até a sua miscigenação enquanto brasileira.
Cleo Xavier, assim com o Ilê Aiyê, objetiva afirmar, preservar, valorizar e expandir a cultura afro-brasileira, homenageando os países, nações e culturas africanas, vinculadas com a história do negro no Brasil.
Na segunda estrofe observa-se que a escritora valoriza o ser negro e o seu lugar de descendência, um lugar merecedor de toda a beleza e encantamento de formas e cores que compõem um cenário repleto de significância. A condição de escravos, o tráfico desumano não impossibilitou a mensagem exuberante de respeito à diferença de um continente constituído de diversidades naturais, na fauna e flora, e sociais, em seu povo.
Portanto, o bonito, o perfeito e o puro não pertencem a uma determinada etnia, não é exclusivo da etnia branca, como assim desejavam os nazistas, mas a todos os povos, e nações, pois a beleza não está na cor e sim nas ações.
É perceptível na segunda estrofe do poema, especificamente do quinto ao último verso a expressão multi-étnica da autora, quando essa se refere: “Sou filha do sol e da lua/ Irmã das estrelas/ E no entanto, sou negra”.Cleo Xavier afirma a influência da religiosidade indígena, na qual se cultua os elementos Sol, Lua, Terra e Céu. A presença da diversidade religiosa inicia-se na primeira estrofe: “Venho do sopro Divino/ Venho do pó...”, descrevendo sua crença monoteísta, ao passo que a estrofe seguinte anuncia sua crença politeísta.
Na terceira estrofe, a escritora expressa a questão da mestiçagem, afirmando-a como componente importante para formação e afirmação da sua identidade brasileira. Assim ela descreve: “Sim... Eu venho das misturas das raças”, a poeta denota a formação identitária a partir da junção das etnias que caracterizam a sua nacionalidade.
Portanto, apesar de parecer contraditório quando ela diz no verso: “Mas não sou mestiça” a poeta não nega sua mestiçagem, mas contesta os adjetivos pejorativos impostos pela sociedade, que busca camuflar o racismo ali implícito.
Muitas pessoas, por subjugarem a etnia negra, acreditam ser ofensivo o predicativo “negro”, assim substituem esse termo por nomenclaturas como “cabocla”, “sarará”, “moreninha” e “mulata”, entre outras, na tentativa de aproximarem do padrão estético branco.
A poetisa recusa essa forma de “clareamento”, pois esse embranquecimento distancia o afro-brasileiro de suas origens. Assim, enfatiza: “Eu sou negra mesmo!”
Cleo Xavier relata em seus escritos a definição de sua negritude composta por outras etnias. E nessa mesma perspectiva, Elisa Lucinda (2007) no poema “Constatação” menciona de maneira gradual estados, países e continentes que de certa forma influenciaram na construção da etnia afro-brasileira, como mostra o poema a seguir:

Constatação

Pareço Cabo-Verdiana
Pareço Antilhana
Pareço Martiniquenha
Pareço Jamaicana
Pareço Brasileira
Pareço Capixaba
Pareço Baiana
Pareço Carioca
Pareço Americana
Pareço Senegalesa
Em toda parte
Pareço
Com o mundo inteiro
De meu povo
Pareço
Sempre o fundo de tudo
A conga, o tambor
É o que nos leva adiante
Pareço todos
Porque pareço semelhante


À medida que o eu-lírico reflete acerca da semelhança entre essas diversas comunidades não somente no aspecto físico, mas social e cultural, afirma também a existência inter-relativa ente eles.
A auto-afirmação étnica da autora palmeirense proporciona a reflexão sobre a literatura e formação afro-brasileira. Descreve como o individuo se auto declara negro, utilizando a literatura para falar do mesmo, ao passo que assume a identidade e questiona o discurso colonizador do homem branco. A poetisa em estudo demonstra essa intenção: “Venho das tribos/ venho do sangue europeu/ Eu venho das senzalas!/ Eu sou negra mesmo!”
Complementando a presente análise, nos dois últimos versos está um elemento que apaga muitos escritos das mulheres, sobretudo as negras, o racismo, como se lê “[...] Negra como a noite escura sem luar/... Mas não tão negra como as garras do racismo”! O Dicionário Aurélio define o racismo como “doutrina que sustenta a superioridade de certas raças; preconceito ou discriminação em relação ao individuo considerando outras raças”. Ao contrário da forma padrão que desde a infância, já nas histórias infantis apresentam os heróis brancos e os demônios negros, internalizando assim, a identificação da positividade branca e da negatividade negra, Cleo, situa o ser negro num pólo inverso ao que a sociedade lhe relegou, mostrando que é sim positivo ser negro.
A autora rompe com o paradigma, no qual o negro era abordado na literatura somente como mera informação de sua contribuição braçal ou através do discurso depreciador. O poema “Negra Brasil” reverte os lugares pré-determinados. A literatura e a arte negra não se resumem às questões sociais, mas também enaltecem de forma criativa o orgulho que alguns afro-brasileiros têm de suas origens, religião, de sua cultura e de sua sexualidade.
Portanto, esse poema vem completar o desejo das escritoras mulheres e negras brasileiras de fazer do texto literário um espaço onde diversas identidades sejam convocadas a integrar a trama discursiva, pois a “escritora quer se fazer reconhecer por pertencer ao sexo feminino, ao grupo étnico negro e à sociedade brasileira” (Zilá Bernard,1990 ). Cleo Xavier estimula, por meio de sua obra, o dizer um “não” para qualquer tipo de preconceito, lutando pelo respeito à diferença e valorizando sua importância na sociedade.
“Negra Brasil” define a negra não como elemento epidérmico, mas manifesta as variedades étnicas e culturais que representam a nação brasileira.










6 CONSIDERAÇÕES FINAIS


O estudo analítico dos textos poéticos referenciados no livro Outonal (2001) demonstra a importância da pesquisa sobre a autora Cleo Xavier. Esse necessário instrumento de investigação serve como explanação de vida e obra de autores negros não canônicos. O objetivo central desse trabalho provém do interesse de evidenciar aos docentes do Curso de Letras Vernáculas do Estado da Bahia - Campus XXIII as produções dessa autora, que se utiliza da temática negra para trilhar o reconhecimento literário.
A poetisa compõe um quadro regional de autoras palmeirenses que transmitem em suas obras literárias a valorização da localidade a que pertencem, incluindo suas origens, costumes e cultura. Ao pesquisar sobre poetas regionais, a Academia favorece um conhecimento, valorizando as reminiscências dessa artista.
A diversidade de assuntos abordados nas obras de Cleo Xavier demonstra a capacidade de poetizar temas e problemas do cotidiano e da sociedade em geral. A literatura articulada relata o quanto a poetisa possui amplitude de idéias e elementos para compor suas poesias.
Através da sua expressão artística, a autora menciona vários temas, o que torna seu trabalho mais rico e convincente, a saber: a metalinguagem, o amor, o sertanejo, os sonhos, a infância, a questão étnica, a representação do negro e suas contribuições. É nesse último item que as acadêmicas decidiram focalizar seu objeto de estudo.
Em suas poesias, “Zumbi, um pouco de sua história” e “Negra Brasil”, ela se utiliza da inspiração. É certo que se a poesia excluir a imaginação e a fantasia, o escrito deixa de ser arte. Mas, o que se observa nesses dois poemas é que Cleo Xavier ao descrevê-los expressa a sua vivência, seus conhecimentos, suas indagações e ao mesmo tempo questiona a “democracia racial”. Expressa através das estrofes e versos a realidade circundante, características de suas composições.
A escritora palmeirense reflete o posicionamento de muitos poetas que se reconhecem como afro-descendentes. Apesar de fazer uso em suas obras de aspectos históricos, sociológicos e antropológicos, esses elementos servem como auxiliadores na compreensão do literário.
Oportunizar o conhecimento biográfico da autora faz-se necessário à medida que esta relata sua ideologia e práticas do seu cotidiano. Ao admitir pertencer a um grupo artístico, a autora condiciona sua vida como “laboratório poético”, no qual experimenta e realiza suas fórmulas, a poesia, dotada de uma significância ideológica, política e social. Os poemas analisados contribuem não somente para expressar emoções, sons e ritmos, mas expressam também os elementos constituintes da nacionalidade brasileira.
Ao fazer poesia, Cleo Xavier rompe com os padrões da atualidade em que os valores hoje impostos referem-se ao modismo da globalização e à tecnologia virtual. A autora procura resgatar em seus escritos a “função da arte”, valorizando os costumes e a memória de um povo.
Suas produções poéticas caracterizam-se pela versatilidade de formas e temas, afirmando a necessidade existencial nas estantes e prateleiras das universidades e dos grandes centros de pesquisas literárias. Porém, o intuito desse trabalho é romper com o processo discriminatório canônico, que relega as escritoras negras, a partir da perspectiva separatista, do que “serve” ou “não” ao meio literário.
Inúmeras são as histórias de escritoras negras que, ao longo dos anos, lutaram por uma inserção no âmbito literário. A própria biografia de Cleo Xavier relata os sofrimentos e os vários tipos de rejeição, bem como a desvalorização de suas produções.
A característica da literatura contemporânea, a saber, a literatura negra está interligada com a vida. Esse tipo de poesia coloca-se, dentre outras coisas, como instrumento de luta, a serviço de uma causa, motivada pela força do sonho de igualdade e reconhecimento, trazendo assim uma nova perspectiva de ver o Brasil.
Então, a fim de evitar equívocos e injustiças, faz-se necessário focalizar as produções artísticas de outros escritores não cânones, mas portadores de um valor intelectual considerável.
Ao aprofundar sobre os escritos de Cleo Xavier, a análise proporciona um avanço significativo para que a instituição acadêmica, especificamente a Universidade do Estado da Bahia Campus XXIII, estimule a continuidade da pesquisa.
A produção literária da poetisa não se resume em si, mas evidencia novos caminhos para outras produções, tanto suas como de outros artistas. O trabalho aqui referido tenciona servir de incentivo para outros escritores não reconhecidos a expor suas composições para a sociedade, tornando valorativo o seu talento.




REFERÊNCIAS

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_____________ Cleo Xavier: entrevista [maio. 2008]. Entrevistadoras: Eleonora Alencar de S. Franco, Lídia Alves L. Vilela e Tainã Xavier do N. Lima. Irecê: [s.n.], 2008. 1 arquivo digital DVD.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS
CAMPUS XXIII – SEABRA







ELEONORA ALENCAR DE SOUZA FRANCO
LÍDIA ALVES LOPES VILELA
TAINÃ XAVIER DO NASCIMENTO LIMA








CLEO XAVIER EM PRETO E BRANCO




















Seabra
2008
ELEONORA ALENCAR DE SOUZA FRANCO
LÍDIA ALVES LOPES VILELA
TAINÃ XAVIER DO NASCIMENTO LIMA












CLEO XAVIER EM PRETO E BRANCO










Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias, Campus XXIII – Seabra, Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como requisito final à conclusão do curso de Licenciatura em Letras.


Orientador: Prof. Ms. Gildeci de Oliveira Leite










Seabra
2008

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS
CAMPUS XXIII - SEABRA




ELEONORA ALENCAR DE SOUZA FRANCO
LÍDIA ALVES LOPES VILELA
TAINÃ XAVIER DO NASCIMENTO LIMA




CLEO XAVIER EM PRETO E BRANCO


Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias, Campus XXIII – Seabra, Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como requisito final à conclusão do curso de Licenciatura em Letras.

Orientador: Prof. Ms Gildeci de Oliveira Leite



BANCA EXAMINADORA:












SEABRA, ____ de __________ de 2008







































Aos colegas de curso, que fizeram parte de nossa caminhada compartilhando, além de saberes, emoções e sentimentos.
Às nossas mães, aos familiares e amigos, por nos incentivarem com palavras otimistas.
À Cleo Xavier, que revelou além das entrelinhas, sua poeticidade.






AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força e sabedoria a nós concedidas.

Aos nossos familiares, em especial nossos cônjuges, por terem nos compreendido e apoiado nos momentos mais difíceis da jornada acadêmica.

Ao professor Gildeci, que mais do que professor se tornou um grande amigo, e teve a tarefa árdua de ler e reler esse trabalho sempre propondo novas instigações.

Aos amigos, colegas de curso e de trabalho, por compartilharem de nossas alegrias, dissabores e expectativas, torcendo juntamente conosco pelo êxito do nosso trabalho.















































“A mente! Isso sim ninguém pode escravizar”

Maria Firmina dos Reis
(primeira romancista negra brasileira)

RESUMO

A presente monografia propõe um estudo analítico representativo da mulher negra no meio literário através dos poemas em que a autora palmeirense; Cleo Xavier, descreve sobre os elementos constituidores da sua escrita. Reflete sua condição de escritora negra, numa sociedade preconceituosa e excludente como esta, na qual o cânone literário deixa grandes escritores à margem do reconhecimento, atribuindo valor somente a obras que estão de acordo com padrões estabelecidos por uma “elite pensante”, sejam estéticos ou não. Levando-se em conta que a literatura negra reivindica visibilidade para essas escritoras. Xavier utiliza a imagem do negro como descrição de seus poemas, denunciando os maus tratos ocasionados pela “soberania branca”. A escritora ressalta a “autenticidade” negra no processo literário utilizando a poesia para explanação de sua ideologia.

Palavras-chave: Mulher-negra, cânone, escritora, poemas, Cleo Xavier.



ABSTRACT

The present monograph proposes a representative and analytic study of the black woman in literature via the poems in which Palmeirensian author, Cleo Xavier, describes the elements of her writing. It reflects her condition as a black writer, in a prejudice and exclusive society such as ours, in which the literary canon leaves major authors without deserved recognition, attributing value only to the works that are in accordance with standards established by a "thinking elite", be it esthetic or not. Conducting herself as though black literature claims visibility for black authors, Xavier uses the image of the black person as the main topic of her poems, thereby denouncing the poor treatment of blacks caused by “white sovereignty”. The writer stands out as "authentically" black in the literary process, utilizing poetry as an explanation for her ideologies.

Keywords: Black woman, canon, writer/author, poems/poetry, Cleo Xavier.